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Por Avantto
A comandante Kalina Milani acumula feitos históricos em sua carreira de 25 anos na aviação. Em 1990, foi a primeira mulher a pilotar um jato comercial na maior companhia aérea do Brasil à época, a Varig. Nos anos 2000, também inaugurou a presença feminina no time de pilotos da Emirates, uma das principais empresas de aviação do mundo. Todo esse pioneirismo, contudo, cobrou um preço alto. Agora aposentada e vivendo no estado da Georgia (EUA), Kalina curte a família, pilota o seu monomotor e administra a Associação das Mulheres Aviadoras do Brasil (AMAB), entidade criada por ela para dar suporte às profissionais do setor e todas aquelas que sonham com a carreira. Em março de 2025, a associação realizou o seu encontro anual com apoio da Avantto. Na ocasião, a empresa anunciou sua meta de contar com 30% de mulheres comandantes na equipe até 2030.
Sobrevoando o Lago Sinclair, nos EUA (Foto: Arquivo pessoal)
Qual o propósito da AMAB?
Inspirar, apoiar e capacitar mulheres para o ingresso e progresso na aviação – seja como piloto ou outra posição onde a presença feminina ainda seja pequena. Criamos um grupo de apoio para conectar as mais de 400 associadas, orientando sobre dúvidas profissionais, dicas de cursos, mentorias online, doação de bolsas de estudo e realizando encontros anuais, em março. E fazemos uma imersão de meninas de 12 a 18 anos nas escolas de aviação, com um voo de experiência com a vencedora de um concurso que realizamos.
Segundo dados da ANAC, apenas 3,2% dos pilotos e mecânicos aeronáuticos são mulheres. Como avalia a situação?
Falta mais incentivo das empresas. São poucas companhias que buscam estimular a entrada delas no setor. E a média no mundo não é muito maior do que a brasileira, cerca de 5%. Quando ingressei na Emirates, em 2006, não tinha nenhuma mulher pilotando aviões. Dez anos depois, já éramos 90, mas o total de comandantes homens era de 2,5 mil! Ou seja, continuou muito desigual.
Kalina Milani foi a primeira comandante de aeronave na companhia aérea Emirates (Foto: Arquivo pessoal)
Quais as principais barreiras de entrada para as mulheres no setor?
Começa dentro de casa, as famílias não falam sobre essa possibilidade para as meninas – e elas acabam não sonhando com a carreira. Meu pai mesmo falou para mim que não era trabalho para mulher. É uma questão cultural.
Você enfrentou desconfiança no início da carreira?
Tem muita gente que acha que a mulher não tem capacidade para certas profissões e fica te analisando e julgando até ser convencido do contrário. Eu sempre me cobrei a fazer bem-feito e dar o exemplo, para mostrar que somos capazes tanto quanto os homens. Mas sempre há pessoas que parecem esperar um erro da mulher para dizer: “Olha lá, viu só?”
No início da carreira de piloto na Varig (Arquivo pessoal)
Houve caso de preconceito a bordo?
Nunca me falaram nada diretamente, mas já ouvi piada de passageiro. Na Emirates, teve um copiloto paquistanês que era islâmico e demonstrou bastante incômodo por estar comigo na cabine e por receber direções de uma mulher. Conversei com ele em reservado, gerenciei a situação e deu tudo certo. Mas foi bem desagradável. Você tem de saber se controlar diante dessas situações.
Você se sentiu mais cobrada por ser mulher?
Sim. As mulheres ainda são mais pressionadas a fazer o seu melhor no trabalho todos os dias. É preciso ter paciência, dar tempo para as outras pessoas perceberem que você pode executar as mesmas funções que um colega. Mas isso tem diminuído, conforme temos mais profissionais em postos de liderança.
Qual dica você daria à jovens e mulheres que pensam em ingressar na aviação?
Buscar a nossa associação nas redes sociais, acessar as informações básicas para entender o setor, obter orientações com a nossa rede de apoio. Temos vários cases de sucesso, pessoas que transformaram suas vidas depois que ingressaram neste ecossistema. É preciso formar mais profissionais mulheres para o setor, mas é preciso promover antes a carreira desde a escola, estimulando mais meninas a sonharem com a aviação.
Com a família nos Estados Unidos (Arquivo pessoal)