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Por Fabiano Mazzei
A indústria do luxo global é um dos segmentos mais potentes da economia. Em 2024, o setor movimentou US$ 1,48 trilhão em vendas de bens de consumo, viagens e veículos, segundo levantamento da consultoria Bain & Company, em parceria com a Fondazione Altagamma. Fosse um país, a “nação luxo” estaria entre os 15 maiores PIBs do planeta, a frente de países como Turquia, Holanda, Arábia Saudita e Suíça.
Para alcançar este resultado, as empresas do setor adotam estratégias de negócio semelhantes, baseadas em códigos bastante definidos que alicerçam a marca, sua narrativa e modelo operacional.
“Existem diversos aspectos que são fundamentais para que as marcas de luxo obtenham e mantenham o reconhecimento sobre os seus produtos e serviços”, explica Manu Berger, referência no mercado de luxo nacional e internacional, com mais de 12 anos de experiência e uma formação sólida em Gestão do Luxo. “De forma resumida, podemos destacar cinco atributos essenciais: exclusividade, excelência, tradição, conexão emocional e experiências personalizadas”, complementa.
Manu Berger é uma das maiores especialistas em luxo aplicado à gestão e ao marketing (Foto: Divulgação)
A exclusividade se refere ao que é escasso; excelência é a obsessão por oferecer o melhor; a tradição fala sobre legado e conhecimento; conexão emocional é um relacionamento que vai além da venda, criando embaixadores informais; e experiências personalizadas atendem à demanda dos clientes por vivenciar momentos únicos, conforme os seus valores pessoais. No final do dia, tudo isso gera desejo – o segredo do sucesso das “luxury brands”.
“Por tudo isso, estas marcas podem inspirar modelos de negócio em outros setores também. Luxo é construção de valor e isso não precisa estar necessariamente atrelado a um preço elevado”, analisa Manu. “Ele pode e deve ser construído em qualquer segmento. O que essas marcas ensinam é uma forma de pensar o negócio de maneira mais estratégica, emocional e duradoura”, diz.
Ela cita como exemplo, a maison francesa Hermès. Fundada em 1837, produz as bolsas femininas mais cobiçadas do mundo: Birkin e Kelly. Além do preço a ser pago, a consumidora deve ser paciente porque a disponibilidade do produto é bastante restrita.
“Isso nos lembra que o tempo é um ativo. Em um mundo que corre para produzir mais e mais rápido, a Hermès cresce lentamente, mas com consistência”, diz Manu. Em 2024, a companhia faturou 15 bilhões de euros, quase 15% de crescimento. Em fevereiro desde ano, a marca Hermès foi avaliada em 307 bilhões de euros, ficando atrás da LVMH, mesmo com 1/5 da receita da concorrente.
A maison francesa Hermès produz as bolsas mais cobiçadas do mundo (Foto: Divulgação)
A especialista e CEO do Info Luxo cita ainda os “cases” da Ferrari e Chanel. “A primeira trabalha com uma escassez proposital, limitando a produção de seus carros mesmo com alta demanda. Já a Chanel mostra consistência, sem aderir a modismos. Tem uma assinatura estética clara, um discurso coerente e valores que atravessam gerações”, avalia.
Mariana Cerone, professora do hub de luxo da ESPM – com cursos de extensão e pós-graduação no tema, em São Paulo –, afirma que as empresas do setor podem ensinar muito a respeito da percepção de valor e da importância da geração de experiências. “O valor não é apenas funcional, mas simbólico – e isso vale para qualquer ramo de atividade”, afirma Mariana.
Quanto às experiências, não podem ser genéricas, mas personalizadas. “São rituais que conectam a história, cultura e os princípios da empresa com aquilo que move o cliente”, analisa a professora.
O conceito de escassez para gerar desejo orienta a produção da Ferrari (Foto: Divulgação)
TENDÊNCIAS
A criação de experiências únicas e personalizadas é uma das principais tendências deste mercado na atualidade. Dentre os gastos que mais cresceram em 2024 está o consumo destas vivências: 5% acima do ano passado. São consumidores priorizando eventos exclusivos associados à gastronomia, wellness ou turismo, em detrimento dos produtos e serviços tradicionais.
“Os clientes atuais não se interessam mais em apenas adquirir um produto de qualidade: eles buscam uma experiência diferenciada, protagonizada por suas marcas favoritas”, diz Manu Berger.
Outra tendência recente no segmento é o “quiet luxury”: um comportamento de consumo mais discreto, que tem levado as marcas a lançarem produtos e campanhas alinhadas a este estilo mais “low profile”.
“É um perfil de consumidor que valoriza a discrição e qualidade, não a ostentação. Na moda, por exemplo, no lugar de utilizar peças chamativas ou com grandes logotipos ou logomarcas, prefere algo mais confortável, neutro e elegante”, analisa Manu.
Para Mariana Cerone, a volta a um consumo mais silencioso é uma resposta ao período de excessos vivido anos atrás. “É voltado a quem domina todos os códigos do luxo e reconhece as marcas sem precisar da logo”, diz. Como exemplo do reflexo disso nas marcas, a professora cita a italiana Zegna.
“Eles modernizaram a marca, os desfiles estão mais ‘clean’, apostando na qualidade dos produtos e na herança cultural. Tudo sem fazer ruído, até para não despertar o interesse imediato do novo rico”, explica.
A última campanha Spring-Summer 2025 da maison italiana Zegna reflete bem o argumento. Nela, o ator dinamarquês Mads Mikkelsen aparece pedalando despretensiosa e elegantemente pelas ruas de uma vila. “Esta é a proposta: mostrar rituais mais lentos, sensoriais, sem excessos. Um estilo de vida que valoriza o tempo, sem pressa”, diz Mariana.
Tendência do “quiet luxury”presente na campanha da marca Zegna em 2025 (Foto: Divulgação)
INSIGHTS
Em artigo recente da consultoria McKinsey, o setor deve passar por um “reset estratégico” para garantir longevidade e resultados. As medidas elencadas no texto também têm espaço em organizações empresariais de outros segmentos.
Dentre elas, estão:
• Alinhamento dos valores da companhia e dos clientes, moldando um relacionamento de longo prazo;
• Renovação da promessa de qualidade, lançando produtos e investindo nas cadeias produtivas;
• Investir na retenção de talentos em todas as áreas, construindo um ambiente de alta performance que desperte nos profissionais a vontade de ficar na empresa;
• Criar experiências únicas para os clientes mais leais e de maior potencial;
• Desenvolvimento de estratégia de expansão para categorias adjacentes, maximizando a interação com o cliente.
“É importante também investir no treinamento das equipes de trabalho. Não basta a área de marketing criar uma marca, se os setores comercial e operacional não estiverem preparados para vender e transmitir isso ao mercado”, afirma Mariana Cerone.