18/02/22

Entrevista: Andre Stein – Eve Urban Air Mobility

Criada pela Embraer X, a startup pretende colocar nos céus do mundo o primeiro eVTOL (veículo aéreo elétrico com decolagem e pouso verticais) até 2026. 

 
Tempo de leitura: 12 minutos

Por Avantto 

Em dezembro do ano passado, a Eve Urban Air Mobility – startup gerada pela Embraer X, braço de inovação da multinacional aeronáutica criada para acelerar projetos disruptivos – anunciava uma fusão bilionária, avaliada em US$ 2,9 bilhões, com a Zanite Acquisition Corp., uma SPAC com foco no mercado de aviação. O acordo foi um passo importante para alimentar a meta mais ambiciosa da empresa: colocar nos céus do Brasil e do mundo o primeiro eVTOL, veículo elétrico com decolagem e pouso verticais, em 2026. 

À frente de todo este processo está o CEO da Eve, Andre Stein. Com 25 anos de Embraer, ele é o responsável por trazer o conceito de mobilidade aérea urbana (UAM, em inglês) para a companhia com sede em São José dos Campos (SP). A Eve nasceu 2020, após ganhar maturidade e demonstrar ter alta capacidade de disrupção associada a um poder de crescimento exponencial. 

Andre Stein, CEO da Eve

Em entrevista concedida ao blog, Stein revela detalhes da criação da empresa que comanda, o impacto da fusão recente no projeto do eVTOL, fala sobre as encomendas já feitas e de sua expectativa quanto a parceria estratégica firmada com a Avantto para o desenvolvimento do ecossistema de voo para UAM. “Espero criarmos juntos uma nova fronteira para aviação”, disse o executivo. Acompanhe na conversa a seguir: 
 
Avantto – Como nasceu a Eve Urban Air Mobility? 

Andre Stein – Em 2017, ajudei a fundar a Embraer X, que tem como propósito identificar e investir em projetos disruptivos com potencial de crescimento exponencial até que eles alcancem um certo nível de maturidade. Em 2020, a Eve foi o primeiro deles a atingir essa condição de andar com as próprias pernas – ou voar com as próprias asas. 

A Embraer tem essa visão de buscar projetos com potencial para crescimento exponencial. E quando a gente olhou para os desafios da mobilidade urbana como ela é hoje e tudo o que a aviação trouxe de positivo para o transporte, pensamos em unir todo esse benefício e endereçar a este que é um problema da sociedade, promovendo uma ruptura desde o começo da cadeia.  
 
Por exemplo, a bateria para a aviação elétrica ainda não está pronta hoje para substituir a propulsão de um grande jato comercial ou executivo. Mas os motores elétricos atuais já estão em um nível que permite fazer uma aeronave voar a curta distância e com baixa ocupação de passageiros. E esse é o conceito de inovação disruptiva. Então houve um encaixe: oportunidade de ruptura, potencial de crescimento exponencial e o background da Embraer, o conhecimento que poderia ser usado para esse novo segmento. 
 
E aqui não se trata só de desenvolver um novo veículo: junto a esse projeto, vimos a oportunidade de repensar o controle de tráfego aéreo também. Hoje, ele é um gargalo para que a aviação urbana se expanda. Temos dentro do grupo Embraer a Atech, que desenvolve toda essa parte de controle de tráfego aéreo para o Brasil junto com o DECEA – uma das poucas empresas do mundo que tem essa tecnologia – para alavancar isso e criar uma solução dedicada para a mobilidade aérea urbana que possa integrar o tráfego aéreo dos eVTOLs  com helicópteros, aviação comercial e, no futuro, com os  drones também, para achar uma solução consolidada e dedicada para a mobilidade aérea urbana. 
 
Avantto – Qual o tamanho da Eve hoje? E como ela funciona? 

Stein – A Eve é uma startup criada para mobilidade aérea urbana, ágil, com processos mais simples, cultura de fazer prova de conceito, MVPs e, ao mesmo tempo, buscando alavancar o conhecimento da Embraer. A Eve tem um core da engenharia de alto valor agregado, atua na liderança dos projetos – somos nós quem tomamos as decisões –, o desenvolvimento do negócio e a gestão do programa. Contratamos boa parte do desenvolvimento técnico da Embraer e, por isso, não precisamos crescer muito em termos de quantidade de pessoas: ficaremos em torno de cem funcionários este ano. 
 
Avantto – Desde a data do lançamento da empresa, quantos pedidos de aeronaves já foram recebidos e quantos acordos já foram firmados? 

Stein – Em torno de 1.735 aeronaves foram encomendadas, o que representa mais de US$ 5 bilhões. Neste portfólio, temos uma diversidade muito grande de clientes: são provedoras de serviços, operadoras de helicópteros, empresas de ride sharing, companhias aéreas, grandes empresas de leasing, enfim, tanto pertencentes a várias partes do ecossistema, quanto globalmente. Temos clientes na Ásia, Europa, Brasil, Estados Unidos e isso nos dá um grande conforto. Além disso, temos parcerias com outras partes do ecossistema como a empresa Skyports, que está olhando os vertiportos, com aeroportos como o do Rio de Janeiro, onde já realizamos uma simulação de rota, e empresa de energia também, como a EDP. A ideia é crescermos por meio dessas parcerias. 

eVTOL Sidney

Avantto – Sobre parcerias, como você avalia essa possibilidade de trabalho em conjunto com a Avantto? 

Stein – A Avantto já era uma parceira da Embraer e estamos reforçando esse vínculo com um foco comum na sustentabilidade dessa próxima geração de transporte.  

A experiência expressiva da Avantto em operações, aliada à sua estratégia de crescimento, faz dela uma parceira ideal para a futura expansão da implantação do eVTOL e da Eve no Brasil e em toda a América Latina. Trabalharemos juntos nesta missão de democratizar a aviação por meio do aumento da viabilidade e da acessibilidade

Aliás, isso é outra coisa que fazemos muito: alavancar as parcerias já existentes. Queremos criar juntos uma nova fronteira para a aviação. E isso é muito excitante. Não é uma pura substituição de helicópteros por eVTOLs, é realmente criar um segmento que tem tudo para crescer muito aqui no Brasil e na América Latina, que são mercados muito relevantes para a mobilidade área urbana. São Paulo, Rio, Brasília, Recife e ao redor do continente também, como Buenos Aires (ARG), Lima (PER), todas com um potencial muito grande para esse segmento da aviação. 

Avantto – Em que estágio está o desenvolvimento do eVTOL da empresa? 

Stein – Esperamos a certificação em 2025 e entrar em serviço no ano seguinte. O Brasil provavelmente será um dos primeiros mercados, até porque o nosso órgão primário de certificação é a ANAC. E, como fizemos em outros programas, buscaremos uma certificação tripla simultânea: ANAC, FAA e EASA. Com os E-jets e Praetor foi assim e, no caso do E2, por exemplo, anunciamos os três órgãos no mesmo dia. Esse princípio faz com que o Brasil fique em uma posição privilegiada. 

Agora, o mercado de aviação é global, onde os suprimentos, cada pedaço – motores, tecnologia, baterias – é desenvolvido em lugares diferentes. Boa parte do desenvolvimento técnico do eVTOL será aqui no Brasil por conta dessa parceria com a Embraer – para usar um termo aeronáutico, será o grande “centro de gravidade e desenvolvimento”. Vai além do corpo de engenharia, como o próprio uso do centro de ensaios em voo de Gavião Peixoto (SP). Quanto a fabricação, é algo que ainda tem mais tempo: é uma decisão que tipicamente fica para cerca de dois anos antes da entrada em serviço, mas que também faz sentido ter uma boa parte da produção do novo veículo aqui no Brasil. 
 
Avantto – Como a recente fusão com a norte-americana Zanite Acquisition Group vai impactar nesse desenvolvimento? 

Stein – A ideia é acelerar. O cálculo racional de fazer esse spin-off era ter essa agilidade para buscar parcerias e investidores, algo que não seria possível se fossemos uma unidade de negócio. E o que esse anúncio com a Zanite nos traz é o conforto de termos caixa para chegar até a certificação e a entrada em serviço do aparelho. Então, este é um projeto que já nasce com todo o funding necessário e que nos permite acelerar o projeto e priorizar o que for preciso logo de saída. 

O projeto já nasceu com este conceito de que, em algum momento, quando estivesse no nível de maturidade adequado, isso aconteceria. Existem vários mecanismos para isso e fizemos através de uma parceria com a Zanite. Uma coisa que chama a atenção nessa empresa especificamente é sua qualidade. Existem muitas SPACs (Special Purpose Acquisition Company), no começo do ano estava um grande boom desse setor, mas a Zanite já foi criada com foco em aviação. No seu board tinha o ex CEO da Gulfstream, o ex CEO da Northrop Grumman, o ex CEO da BAE Systems nos Estados Unidos, que agora é o meu co-CEO – ele saiu do board da Zanite e se juntou a nós na Eve –, o próprio Kenneth Ricci, responsável pela Directional Aviation. Então, são pessoas com muito entendimento do mercado e do setor que conversaram com dezenas de outras empresas e nos escolheram por entenderem ser uma grande oportunidade. 

Avantto – Quais os desafios para a mobilidade aérea urbana se consolidar como realidade? 

Stein – Eu acho que é justamente essa questão da infraestrutura. Pelo menos no nosso desenvolvimento, não vemos a necessidade de um grande salto tecnológico. Com a tecnologia que temos hoje, o veículo já pode existir. É preciso, claro, deixá-la mais madura, certificável, mas não é preciso uma nova bateria, por exemplo, para que isso aconteça. 

Agora, tem toda a parte de infraestrutura, de aceitação da comunidade, que faz com que a gente se conecte desde cedo com bons parceiros para criar essas soluções do começo, a fim de tornar o ambiente regulatório mais maduro. E eu nunca vi nesses 25 anos de aviação o FAA e EASA com tanto apetite para inovação: eles realmente têm embarcado nisso e têm olhado para essa fronteira de uma maneira muito proativa, mas sem renunciar da segurança – nem nós. Segurança não é algo que se negocia e a ideia é manter a aviação como o jeito mais seguro de viajar. Quando falamos em mudanças no ambiente regulatório, são exatamente para permitir que novas tecnologias continuem a garantir a segurança, mas que tragam essa ruptura do ponto de vista de usabilidade, acessibilidade, de custo operacional e de carbono zero. Então, muitas vezes, é preciso mexer no ambiente regulatório. 

A parte de infraestrutura precisará ter o grid energético nos vertiportos. Os eVTOLs cabem no helipontos atuais, mas espera-se uma malha muito maior e, para isso, podemos adaptar estacionamentos. Portanto, há muitas oportunidades aqui para aumentar a infraestrutura e todo esse ecossistema precisará ser criado em paralelo. 

Avantto – No seu entendimento, quais são as grandes oportunidades embutidas com a chegada da mobilidade aérea elétrica urbana para as empresas e cidades?  

Stein – Acredito que essa é uma grande oportunidade de mexer no modelo de negócio e torná-lo melhor para todos, inclusive para o usuário final. Ao mesmo tempo que se pode alavancar a infraestrutura da cidade e a experiência de aviação já existente. Veja que oportunidade é poder desenhar o veículo e o vertiporto simultaneamente! Pode-se otimizar muito mais essa relação e ter um ganho de eficiência aí. Mesmo o setor de controle de tráfego aéreo tende a melhorar. 
 
Este é um negócio que já nasce sustentável, seja do ponto de vista ambiental ou econômico. Outra questão que vai além da emissão zero carbono local do eVTOL, que é 100% elétrico, é a necessidade de se olhar o ciclo de vida como um todo: a manufatura, os materiais, a origem da energia consumida, a segunda vida da bateria – ela sai do veículo ainda com um tempo de vida muito efetivo como bateria estacionária. Então, tudo isso é uma oportunidade de olhar e modelar a aviação de uma maneira mais eficiente, sustentável e segura. 

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